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DECRETO AD
GENTESSOBRE A ATIVIDADE MISSIONÁRIA DA IGREJA
PROÉMIO
A vocação missionária da Igreja
1. A Igreja, enviada por Deus a todas as gentes para ser
«sacramento universal de salvação», (1) por íntima exigência da própria catolicidade, obedecendo a um mandato do seu fundador
(2), procura incansàvelmente
anunciar o Evangelho a todos os homens. Já os próprios Apóstolos em que a Igreja
se alicerça, seguindo o exemplo de Cristo, «pregaram a palavra da verdade e
geraram as igrejas» (3). Aos seus sucessores compete perpetuar esta obra, para que
«a palavra de Deus se propague ràpidamente e seja glorificada (2 Tess. 3,1), e o
reino de Deus seja pregado e estabelecido em toda a terra.
No estado actual das
coisas, de que surgem novas condições para a humanidade, a Igreja, que é sal da
terra e luz do mundo (4), é com mais urgência chamada a salvar e a renovar toda a
criatura, para que tudo seja instaurada em Cristo e n'Ele os homens constituam
uma só família e um só Povo de Deus.
Por isso, este sagrado Concílio,
agradecendo a Deus a grandiosa obra já realizada pelo esforço generoso de toda a
Igreja, deseja delinear os princípios da actividade missionária e reunir as
forças de todos os fiéis, para que o Povo de Deus, continuando a seguir pelo
caminho estreito da cruz, difunda por toda a parte o reino de Cristo, Senhor e
perscrutador dos séculos (5), e prepare os caminhos para a sua vinda.
CAPÍTULO I
PRINCÍPIOS DOUTRINAIS
Desígnio do Pai
2. A Igreja peregrina é, por sua natureza,
missionária, visto que tem a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na
«missão» do Filho e do Espírito Santo (6).
Este desígnio brota do «amor fontal»,
isto é, da caridade de Deus Pai, que, sendo o Princípio sem Princípio de
quem é
gerado o Filho e de quem procede o Espírito Santo pelo Filho, quis
derramar e
não cessa de derramar ainda a bondade divina, criando-nos livremente
pela sua
extraordinária e misericordiosa benignidade, e depois chamando-nos
gratuitamente a partilhar da sua própria vida e glória. Quis ser, assim,
não só
criador de todas as coisas mas também «tudo em todas as coisas» (1 Cor.
15,28),
conseguindo simultâneamente a sua glória e a nossa felicidade. Aprouve,
porém, a
Deus chamar os homens a esta participação na sua vida, não só de modo
individual
e sem qualquer solidariedade mútua, mas constituindo-os num Povo em que
os seus
filhos, que estavam dispersos, se congregassem em unidade (7).
Missão do Filho
3. Este desígnio
universal de Deus para a salvação do género humano realiza-se não sòmente dum
modo quase secreto na mente humana, ou por esforços, ainda que religiosos, pelos
quais os homens de mil maneiras buscam. a Deus a ver se conseguem chegar até Ele
ou encontrá-l'O, embora Ele não esteja longe de cada um de nós (cfr. Act. 17,
27); com efeito, estes esforços precisam de ser iluminados e purificados,
embora, por benigna determinação da providência de Deus, possam algumas vezes
ser considerados como pedagogia ou preparação evangélica para o Deus verdadeiro
(8). Para estabelecer a paz ou a comunhão com Ele e uma sociedade fraterna entre
os homens, apesar de pecadores, Deus determinou entrar de modo novo e definitivo
na história dos homens, enviando o seu Filho na nossa carne para, por Ele,
arrancar os homens ao poder das trevas e de satanás (9) e n'Ele reconciliar o
mundo consigo (10). Constituiu, portanto, herdeiro de todas as coisas Aquele por
quem fizera tudo(11), para n'Ele tudo restaurar (12).
Cristo Jesus, de facto, foi enviado ao mundo como verdadeiro mediador entre Deus
e os homens. Como é Deus, n'Ele habita corporalmente toda a plenitude da
divindade (Col. 2,9); e sendo o novo Adão pela sua natureza humana, é
constituído cabeça da humanidade renovada, cheio de graça e de verdade (Jo.
l,14). Assim, o Filho de Deus, pelo caminho duma verdadeira Incarnação, veio
para fazer os homens participantes da sua natureza divina e, sendo rico, fez-se
por nós necessitado para que nos tornássemos ricos da sua pobreza (13). O Filho do
Homem não veio para que o servissem, mas para ser ele a servir e para dar até a
sua vida em redenção por muitos, isto é, por todos (14). Os santos Padres
constantemente proclamam nada estar remido que não tivesse sido primeiro
assumido por Cristo (15). Ora ele assumiu por inteiro a natureza humana tal qual ela
existe em nós, pobres e miseráveis, rejeitando dela apenas o pecado (16). De si
mesmo disse Cristo, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo (cfr. Jo. 10,36):
«O Espírito do Senhor está sobre mim; por isso me ungiu e me enviou a anunciar a
boa nova aos pobres, a sarar os contritos de coração, a proclamar a libertação
dos cativos e a restituir a vista aos cegos» (Lc. 4,18). E outra vez: «Veio o
Filho do Homem para buscar e salvar o que estava perdido» (Lc. 19,10).
Aquilo
que uma vez foi pregado pelo Senhor ou aquilo que n'Ele se operou para salvação
do género humano, deve ser proclamado e espalhado até aos confins da terra (17),
começando por Jerusalém (18), de modo que tudo quanto foi feito uma vez por todas,
pela salvação dos homens, alcance o seu efeito em todos, no decurso dos tempos.
Missão do Espírito Santo
4. Para isso, precisamente, enviou Cristo o Espírito Santo da parte do Pai, para
realizar no interior das almas a sua obra salvadora e impelir a Igreja à sua
própria dilatação. Não há dúvida de que o Espírito Santo já actuava no mundo
antes de Cristo ser glorificado (19). Contudo, foi no dia de
Pentecostes, em que desceu sobre os discípulos para ficar para sempre com eles
(20), que a Igreja foi pùblicamente manifestada diante duma grande multidão, que a
difusão do Evangelho entre os gentios por meio da pregação . teve o seu início,
e que, finalmente, a união dos povos numa catolicidade de fé foi esboçada de
antemão na Igreja da nova Aliança, a qual fala em todas as línguas e entende e
abraça todas as línguas na sua caridade, superando assim a dispersão de
Babel (21). Pelo Pentecostes começaram os «actos dos Apóstolos», como pela descida
do Espírito Santo sobre Maria fora concebido Cristo, e como pela descida do
mesmo Espírito Santo sobre Cristo, quando orava, fora o Senhor impelido à obra
do seu ministério (22). O próprio Senhor Jesus, antes de dar livremente a sua vida
pelo mundo, de tal maneira dispôs o ministério apostólico e de tal forma
prometeu enviar o Espírito Santo, que a ambos associava na tarefa de levar a
cabo sempre e em toda a parte a obra da salvação (23). O Espírito Santo é quem
«unifica na comunhão e no ministério, e enriquece com diversos dons hierárquicos
e carismáticos» (24) toda a Igreja através dos tempos, dando vida às instituições
eclesiásticas (25), sendo como que a alma delas, e instilando nos corações dos
fiéis aquele mesmo espírito de missão que animava o próprio Cristo. Por vezes precede visivelmente a acção apostólica
(26), como também incessantemente a
acompanha e dirige de vários modos (27).
A Igreja enviada de Cristo
5. O Senhor Jesus, logo desde o princípio
«chamou a Si alguns a quem Ele quis, e escolheu doze para andarem com Ele e para
-os mandar a pregar» (Mc. 3,13) (28). Os Apóstolos foram assim a semente do novo
Israel e ao mesmo tempo a origem da sagrada Hierarquia. Depois, realizados já
definitivamente em Si, pela sua morte e ressurreição, os mistérios da nossa
salvação e da renovação do universo, o Senhor, com todo o poder
que adquiriu no céu e na terra (29), antes de subir ao Céu (30) fundou a sua Igreja
como sacramento de salvação e enviou os seus Apóstolos a todo o mundo tal qual
Ele também tinha sido enviado pelo Pai (31), dando-lhes este mandato: «Ide, pois,
fazei discípulos de todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo quanto vos prescrevi» (Mt. 28,
19-20). «Ide por todo o mundo, proclamai a Boa Nova a toda a criatura. Quem
acreditar e for baptizado, será salvo; mas quem não acreditar, será condenado» (Mc.
16,15 ss.). Daí vem à Igreja o dever de propagar a fé e a salvação de Cristo,
tanto em virtude do expresso mandamento que dos Apóstolos herdou a Ordem dos
Bispos ajudada pelos presbíteros em união com o sucessor de Pedro e sumo pastor
da Igreja, como em virtude da vida comunicada aos seus membros por Cristo, «do
qual o corpo todo inteiro bem ajustado e coeso por toda a espécie de junturas
que o alimentam, com a acção proporcionada a cada membro, realiza o seu
crescimento em ordem à própria edificação na caridade» (Ef. 4,16). A missão da
Igreja realiza-se pois, mediante a actividade pela qual, obedecendo ao
mandamento de Cristo e movida pela graça e pela caridade do Espírito Santo, ela
se torna actual e plenamente presente a todos os homens ou povos para os
conduzir à fé, liberdade e paz de Cristo, não só pelo exemplo de vida e pela
pregação mas também pelos sacramentos e pelos restantes meios da graça, de tal
forma que lhes fique bem aberto caminho livre e seguro para participarem
plenamente no mistério de Cristo.
Continuando esta missão e explicitando através
da história a missão do próprio Cristo, que foi enviado a evangelizar os pobres,
a Igreja, movida pelo Espírito Santo, deve seguir o mesmo caminho de Cristo: o
caminho da pobreza, da obediência, do serviço e da imolação própria até à morte,
morte de que Ele saiu vencedor pela sua ressurreição. Foi assim também que todos
os Apóstolos caminharam na esperança completando com muitas tribulações e
fadigas o que faltava aos trabalhos de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja (32).
Muitas vezes, mesmo, a semente foi o sangue dos cristãos (33).
Actividade missionária da Igreja: seus diversos modos
6. Esta tarefa que
deve ser levada a cabo pela Ordem dos Bispos presidida pelo sucessor de Pedro e
com a oração e a cooperação de toda a Igreja, é uma e a mesma em toda a parte,
sejam quais forem os condicionalismos, embora difira quanto ao exercício
conforme as circunstâncias. Mas as diferenças que nesta actividade da Igreja se
têm de reconhecer, não se originam na natureza íntima da «missão», mas nos
condicionalismos em que essa «missão» se exerce.
Esses condicionalismos tanto
podem depender da Igreja como dos povos, dos agrupamentos ou até dos indivíduos
a quem a «missão,, se dirige. A Igreja, de facto, embora de si possua a
totalidade ou à plenitude dos meios de
salvação, não actua nem pode actuar sempre e imediatamente com todos eles, mas
vai por tentativas e por passos na sua acção e no seu esforço de levar a efeito
os desígnios de Deus. As vezes até, depois dum avanço, felizmente lançado, vê-se
infelizmente obrigada a deplorar de novo uma regressão, ou, pelo menos, a
demorar-se num certo estádio de semi-vitalidade e insuficiência. Quanto aos
indivíduos, agrupamentos e povos, a esses só gradualmente os atinge e os
penetra, e só assim os traz à plenitude católica. A cada condicionalismo e a
cada situação devem corresponder acções apropriadas ou meios aptos.
O nome de
«missões» dá-se geralmente àquelas actividades características com que os
pregoeiros do Evangelho, indo pelo mundo inteiro enviados pela Igreja, realizam
o encargo de pregar o Evangelho e de implantar a mesma Igreja entre os povos ou
grupos que ainda não crêem em Cristo. Essas «missões» são levadas a efeito pela
actividade missionária e exercem-se ordinàriamente em certos territórios
reconhecidos pela Santa Sé. O fim próprio desta actividade missionária é a
evangelização e a implantação da Igreja nos povos ou grupos em que ainda não
está radicada (34). Assim, a partir da semente da palavra de Deus, é necessário
que se desenvolvam por toda a parte igrejas autóctones particulares, dotadas de
forças próprias e maturidade, com hierarquia própria unida ao povo fiel,
suficientemente providas de meios proporcionados a uma vida cristã plena,
contribuindo para o bem da Igreja universal. O meio principal desta implantação
é a pregação do Evangelho de Jesus Cristo. Para o anunciar, enviou o Senhor pelo
mundo inteiro os seus discípulos, a fim de que os homens, uma vez renascidos
pela palavra de Deus, fossem agregados pelo Baptismo à Igreja, a qual, como
corpo do Verbo encarnado, se nutre e vive da palavra de Deus e do pão
eucarístico.
Nesta actividade missionária da Igreja dão-se, por vezes,
simultâneamente, situações diversas: a de começo ou implantação, primeiro, e a
de crescimento ou juventude, depois. Ultrapassadas estas etapas, não acaba,
contudo, a acção missionária da Igreja, mas é às igrejas particulares já
constituídas que incumbe o dever de a continuar pregando o Evangelho a
todos aqueles que ainda tenham ficado de fora. Há a considerar também que as
comunidades em que a Igreja vive, não raras vezes e por variadas causas mudam
radicalmente, de maneira a poderem daí advir condições de todo novas. Então,
deve a Igreja ponderar se tais condicionalismos não exigem de novo a sua
actividade missionária.
Mais: por vezes, as circunstâncias são tais que não há
possibilidades, por um tempo, de propor directa e imediatamente a mensagem
evangélica: então é evidente que podem os missionários e até devem dar ao menos
o testemunho da caridade e da beneficência de Cristo, pacientemente, com
prudência e ao mesmo tempo grande confiança. Assim, não só prepararão os
caminhos ao Senhor mas até o tornarão já de alguma maneira presente.
É, pois,
bem de ver como a actividade missionária dimana intimamente da própria natureza
da Igreja, cuja fé salvífica propaga, cuja unidade católica dilatando
aperfeiçoa, em cuja apostolicidade se apoia, cujo afecto colegial de sua
hierarquia exercita, cuja santidade testemunha, difunde e promove. É bem de ver
também que a actividade missionária entre gentios difere tanto da actividade
pastoral que se exerce com os fiéis, como das iniciativas pela reunificação dos
cristãos. Contudo, ambas estas actividades andam estreitamente ligadas à
actividade missionária da Igreja (35): pois a divisão dos cristãos prejudica a
santíssima causa de pregar o Evangelho a toda a criatura (36) e fecha a muitos o
acesso à fé. Por isso, por uma necessidade missionária, todos os baptizados são
chamados a unir-se num rebanho para assim poderem dar um testemunho unânime de
Cristo, seu Senhor, perante os gentios. Mas se ainda não podem, de completo
acordo, dar testemunho duma só fé, é preciso que, ao menos, estejam animados de
mútua estima e caridade.
Actividade missionária da Igreja: suas causas e necessidades
7. A razão desta actividade missionária vem da vontade
de Deus, que «quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno
conhecimento da verdade. Ora há um só Deus, e um só que é mediador de Deus e dos
homens, o homem Cristo Jesus, que se deu a si mesmo como preço de resgate por
todos» (l Tim. 2, 4-6), «e não há salvação em nenhum outro» (Act. 4,12).
Portanto, é preciso que todos se convertam a Cristo conhecido pela pregação da
Igreja e que sejam incorporados, pelo Baptismo, a Ele e à Igreja, seu corpo. O
próprio Cristo, aliás, ao inculcar por palavras expressas a necessidade da fé e
do Baptismo (37), confirmou também, por isso mesmo, a necessidade da Igreja, na
qual os homens entram pelo Baptismo, que é como que a porta de entrada. Por
isso, não se poderiam salvar aqueles que, não ignorando que Deus
fundou por intermédio de Jesus Cristo a Igreja católica como necessária, não
quisessem, apesar disso, entrar nela ou nela perseverar» (38). Por isso também,
embora Deus, por caminhos que só Ele sabe, possa conduzir à fé, sem a qual é
impossível ser-se-Lhe agradável (39), os homens que ignoram o Evangelho sem
culpa sua, incumbem à Igreja, apesar de tudo, a obrigação (40) e o sagrado direito
de evangelizar. Daí vem que a actividade missionária conserve ainda hoje e haja
de conservar sempre toda a sua eficácia e a sua necessidade.
Por ela
incessantemente vai cobrando e organizando as forças para seu crescimento o
Corpo místico de Cristo (41). Ao exercício desta actividade são impelidos, sem
cessar, os membros da Igreja, pela caridade com que amam a Deus e com que
desejam comunicar a todos os homens os bens espirituais tanto da vida presente
como da futura.
Finalmente, por esta actividade missionária é Deus plenamente
glorificado enquanto os homens por ela recebem, plena e conscientemente, a obra
de salvação que Ele em Cristo levou a cabo. E assim se realizam por ela os
desígnios de Deus, aos quais Cristo serviu com obediência e amor para glória do
Pai que o enviou (42), e para que todo o género humano forme um só Povo de Deus,
se una num só corpo de Cristo, e se edifique num só templo do Espírito Santo: o
qual, ao restabelecer a concórdia fraterna, vem precisamente ao encontro das
aspirações mais íntimas de todos os homens. Finalmente, quando todos os que
participam da natureza humana, uma vez regenerados em Cristo pelo Espírito Santo
e já na visão unânime da glória de Deus Pai, puderem dizer: «Pai nosso» (43),
então se há-de realizar deveras o intento do Criador ao fazer o homem à Sua
imagem e semelhança.
Actividade missionária da Igreja na
vida e na história humana
8. Também com a própria
natureza humana e suas aspirações tem íntima conexão a actividade missionária.
Com efeito, ao dar a conhecer Cristo, a Igreja revela, por isso mesmo, aos
homens a genuína verdade da sua condição e da sua integral vocação, pois Cristo
é o princípio e o modelo da humanidade renovada e imbuída de fraterno amor,
sinceridade e espírito de paz, à qual todos aspiram.
Cristo e a Igreja que d'Ele
dá testemunho pela pregação evangélica, transcendem todos os particularismos de
estirpe ou de nação e, por isso, não podem ser considerados estranhos a ninguém
e em nenhuma parte (44). É próprio Cristo é aquela verdade e aquele caminho que a
pregação evangélica a todos abre ao levar aos ouvidos de todos as palavras que
Ele mesmo disse: «Arrependei-vos e crede no Evangelho» (Mc. 1,15). Porém, como
quem não crê já está julgado (45), as palavras de Cristo são, ao mesmo tempo,
palavras de juízo e de graça, de morte e de vida. n que só infligindo a morte ao
que é velho podemos ter acesso à novidade de vida: e isto, que vale, em primeiro
lugar, das pessoas, vale também dos diversos bens deste mundo que estão marcados
tanto pelo pecado do homem como pela bênção de Deus: «porque todos pecaram e
todos estão privados da glória de Deus» (Rom. 3,23). Por si mesmo e por próprias
forças não há ninguém que se liberte do pecado e se eleve acima de si mesmo,
ninguém absolutamente que se liberte a si mesmo da sua enfermidade, da sua
solidão ou da sua escravidão (46), mas todos precisam de Cristo como modelo,
mestre, libertador, salvador, vivificador. De facto, na história humana, mesmo
sob o ponto de vista temporal, o Evangelho foi um fermento de liberdade e de
progresso e apresenta-se sempre como fermento de fraternidade, de unidade e de
paz. Não é sem razão, por isso, que Cristo é celebrado pelos fiéis como «o
esperado das nações e o seu salvador» (47).
Carácter
escatológico da actividade missionária da Igreja
9. A actividade missionária
desenrola-se entre o primeiro e o segundo advento do Senhor, em que a Igreja
há-de ser reunida dos quatro ventos como uma colheita, no reino de Deus (48).
Mas antes de o Senhor vir, tem de ser pregado o Evangelho a todos os povos (49).
A actividade missionária não é outra coisa, nem mais nem menos, que a manifestação
ou epifania dos desígnios de Deus e a sua realização no mundo e na sua história,
na qual Deus, pela missão, manifestamente vai tecendo a história da salvação.
Pela palavra da pregação e pela celebração dos sacramentos de que a Eucaristia
é o centro e a máxima expressão, torna presente a Cristo, autor da salvação. Por
outro lado, tudo o que de verdade e de graça se encontrava já entre os gentios
como uma secreta presença de Deus, expurga-o de contaminações
malignas e restitui-o ao seu autor, Cristo, que destrói o império do demónio e
afasta toda a malícia dos pecados. O que de bom há no coração e no espírito dos
homens ou nos ritos e culturas próprias dos povos, não só não se perde, mas é
purificado, elevado e consumado para glória de Deus, confusão do demónio e
felicidade do homem (50). A actividade missionária tende assim para a plenitude
escatológica (51): por ela, com efeito, se estende, segundo as dimensões e os
tempos que o Pai fixou com o seu próprio poder (52), o Povo de Deus a quem foi
dito profèticamente: «Dilata o acampamento das tuas tendas e estende as telas
das tuas barracas! Não te acanhes» (Is. 54,2) (53); por ela cresce o Corpo místico
até constituir esse homem perfeito, na força da idade, que realiza a plenitude
de Cristo (54); por ela se levanta e se vai edificando sobre os alicerces dos
Apóstolos e dos profetas e com o próprio Cristo Jesus por pedra angular (Ef.
2,20), o templo espiritual onde Deus é adorado em espírito e verdade (55).
CAPÍTULO II
A OBRA MISSIONÁRIA EM SI MESMA
Introdução: A actividade missionária da Igreja no mundo actual
10. Enviada por Cristo a manifestar e
a comunicar a todos os homens e povos a caridade de Deus, a Igreja
reconhece que
tem de levar a cabo uma ingente obra missionária. É que, na verdade,
dois biliões de homens, número que cresce de dia para dia, em grandes e
determinados
agrupamentos, unidos por laços estáveis de vida cultural, por antigas
tradições
religiosas, por estreitos vínculos de relações sociais, ou ainda não
receberam a
mensagem do Evangelho, ou mal ouviram falar dela; dentre eles, uns
seguem alguma
das grandes religiões, outros permanecem estranhos ao conhecimento de
Deus,
outros negam expressamente a sua existência, ou até mesmo a atacam. A
fim de
poder oferecer a todos o mistério de salvação e a vida trazida por Deus,
a
Igreja deve inserir-se em todos esses agrupamentos, impelida pelo mesmo
movimento que levou o próprio Cristo, na incarnação, a sujeitar-se às
condições
sociais e culturais dos homens com quem conviveu.
Art. 1
O TESTEMUNHO CRISTÃO
Testemunho de vida e diálogo
11. A Igreja tem de estar presente a estes agrupamentos humanos por meio
dos
seus filhos que entre eles vivem ou a. eles são enviados. Com efeito,
todos os
fiéis cristãos, onde quer que vivam, têm obrigação de manifestar, pelo
exemplo
da vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de que se revestiram
pelo Baptismo, e a virtude do Espírito Santo por quem na Confirmação
foram
robustecidos, de tal modo que os demais homens, ao verem as suas boas
obras,
glorifiquem o Pai (1) e compreendam, mais plenamente o sentido genuíno
da vida
humana e o vínculo universal da comunidade humana.
Para poderem dar frutuosamente este testemunho de Cristo, unam-se a esses homens
com estima e caridade, considerem-se a si mesmos como membros dos agrupamentos
humanos em que vivem, e participem na vida cultural e social através dos vários
intercâmbios e problemas da vida humana; familiarizem-se com as suas tradições
nacionais e religiosas; façam assomar à luz, com alegria e respeito, as sementes
do Verbo neles adormecidas; mas atendam, ao mesmo tempo, à transformação
profunda que se opera entre os povos e trabalhem por que os homens do nosso
tempo não dêem tanta importância à ciência e tecnologia do mundo moderno que se
alheiem das coisas divinas, mas, antes pelo contrário, despertem para um desejo
mais profundo da verdade e da caridade reveladas por Deus. Assim como o próprio
Cristo perscrutou o coração dos homens e por
meio da sua conversação verdadeiramente humana os conduziu à luz divina, assim
os seus discípulos, profundamente imbuídos do Espírito de Cristo, tomem
conhecimento dos homens no meio dos quais vivem, e conversem com eles, para que,
através dum diálogo sincero e paciente, eles aprendam as riquezas que Deus
liberalmente outorgou aos povos; mas esforcem-se também por iluminar estas
riquezas com a luz evangélica, por libertá-las e restituí-las ao domínio de Deus
Salvador.
Presença da caridade
12. A presença dos cristãos nos agrupamentos humanos seja animada
daquela caridade com que Deus nos amou, e com a qual quer que também nós nos
amemos uns aos outros (2).
Efectivamente, a caridade cristã a todos se estende sem
discriminação de raça, condição social ou religião; não espera qualquer lucro ou
agradecimento. Portanto, assim como Deus nos amou com um amor gratuito, assim
também os fiéis, pela sua caridade, sejam solícitos pelos homens, amando-os com
o mesmo zelo com que Deus veio procurá-los. E assim como Cristo percorria todas
as cidades e aldeias, curando todas as doenças e todas as enfermidades,
proclamando o advento do reino e Deus (3), do mesmo modo a Igreja, por meio dos
seus filhos, estabelece relações com os homens de qualquer condição, de modo
especial cm os pobres e aflitos, e de bom grado por eles gasta as forças (4).
Participa nas suas alegrias e dores, conhece as suas aspirações e os problemas
da sua vida e sofre com eles nas ansiedades da morte, trazendo-lhes a paz e a
luz do Evangelho.
Trabalhem e colaborem os cristãos com todos os outros na recta
ordenação dos problemas económicas e sociais. Dediquem-se, com cuidado especial,
à educação das crianças e da juventude por meio das várias espécies de escolas,
as quais hão-de ser consideradas não só como meio exímio de formação e promoção
da juventude cristã, mas também, simultâneamente, como serviço da maior
importância para os homens, e em particular para as nações em vias de
desenvolvimento, a fim de elevar a dignidade do homem e preparar condições de
vida mais humanas. Além disso, tomem parte nos esforços dos povos que, lutando
contra a fome, a ignorância e a doença, se afadigam por melhorar as condições de
vida e por assegurar a paz no mundo. Nesta actividade prestem os fiéis, com
prudência, a sua colaboração efectiva às iniciativas promovidas pelas
instituições particulares e públicas, pelos governos, pelos organismos
internacionais, pelas diversas comunidades cristãs e religiões não-cristãs.
A
Igreja, porém, não quer, de maneira nenhuma, imiscuir-se no governo da cidade
terrena. Nenhuma outra autoridade reclama para si senão a de, com a ajuda de
Deus, estar ao serviço dos homens pela caridade e pelo serviço fiel (5).
Intimamente unidos com os homens na vida e no trabalho, os discípulos de Cristo
esperam oferecer-lhes o verdadeiro testemunho de Cristo e trabalhar na salvação
deles, mesmo quando não podem anunciar plenamente a Cristo.
Porque não procuram o progresso e a prosperidade material dos homens, mas
promovem a sua dignidade e fraterna união, ensinando as verdades religiosas e
morais, que Cristo esclareceu com a Sua luz. Deste modo, vão abrindo pouco a
pouco o acesso mais pleno a Deus. Assim, os homens são auxiliados na aquisição
da salvação pela caridade para com Deus e para com o próximo, e começa a brilhar
o mistério de Cristo, no qual apareceu o homem novo que foi criado segundo Deus,
(cfr. Ef. 4,24), e no qual se revela a caridade divina.
Art.
2
A PREGAÇÃO DO
EVANGELHO E A REUNIÃO DO POVO DE DEUS
Evangelização e conversão
13. Sempre que Deus abre a porta da
palavra para anunciar o mistério de Cristo (7) a todos os homens (8), com confiança
e constância (9) seja anunciado (10) o Deus vivo, e Aquele que Ele enviou para a
salvação de todos, Jesus Cristo(11), para que os não-cristãos, sob a inspiração
interior do Espírito Santo (12), se convertam livremente à fé no Senhor, e adiram
sinceramente Aquele que, sendo «caminho, verdade e vida» (Jo. 14,6), cumula
todas as suas esperanças espirituais, mais ainda, supera-as infinitamente. Esta
conversão há-de considerar-se como inicial, mas suficiente para o homem cair na
conta de que, arrancado ao pecado, é introduzido no mistério do amor de Deus,
que o chama a entabular relações pessoais consigo em Cristo. Pois, sob a acção
da graça de Deus, o neo-convertido inicia o caminho espiritual pelo qual,
comungando já pela fé no mistério da morte e ressurreição, passa do homem velho
ao homem novo que tem em Cristo a sua perfeita realização (13).
Esta passagem, que
traz consigo uma mudança progressiva de mentalidade e de costumes, deve
manifestar-se e desenvolver-se, com as suas consequências sociais, durante o
tempo do catecumenado. Porque o Senhor em que acreditamos, é sinal de
contradição (14), o homem convertido experimenta frequentemente rupturas e
separações, mas também alegrias que Deus concede sem medida (15). A Igreja proíbe
severamente obrigar quem quer que seja a abraçar a fé, ou induzi-lo e atraí-lo
com processos indiscretos, do mesmo modo que reclama com vigor o direito de
ninguém ser afastado da fé por meio de vexações iníquas (16).
Em conformidade com
o antiquíssimo costume da Igreja, investiguem-se os motivos da conversão e, se
for necessário, purifiquem-se.
Catecumenado e iniciação
cristã
14. Aqueles que receberam de Deus por meio da
Igreja a fé em Cristo (17), sejam admitidos ao catecumenado, mediante a
celebração de cerimónias litúrgicas; o catecumenado
não é mera exposição de dogmas e preceitos, mas uma formação e uma aprendizagem
de toda a vida cristã; j prolongada de modo conveniente, por cujo meio os
discípulos se unem comi Cristo seu mestre. Por conseguinte, sejam os catecúmenos
conveniente: mente iniciados no mistério da salvação, na prática dos costumes
evangélicos, e com ritos sagrados, a celebrar em tempo sucessivos (18), sejam
introduzidos na vida da fé, da liturgia e da caridade do Povo de Deus.
Em
seguida, libertos do poder das trevas pelos sacramentos da iniciação cristã
(19), mortos com Cristo e com Ele sepultados e ressuscitados (20) recebem o Espírito
(21) de adopção de filhos e celebram com todo o Povo de Deus o memorial da morte e
ressurreição do Senhor.
É de desejar que a liturgia do tempo quaresmal e pascal
seja reformada de maneira a preparar os corações dos catecúmenos para a
celebração do mistério pascal, durante cujas solenidades eles são regenerados
para Cristo pelo Baptismo.
Esta iniciação cristã realizada no catecumenado deve
ser obra não apenas dos catequistas ou sacerdotes, mas de toda a comunidade dos
fiéis, especialmente dos padrinhos, de forma que desde o começo os catecúmenos
sintam que pertencem ao Povo de Deus. Visto que a vida da Igreja é apostólica,
os catecúmenos devem igualmente aprender a cooperar activamente; pelo testemunho
da sua vida e a profissão da sua fé, na evangelização e na construção da Igreja.
Enfim, o estado jurídico dos catecúmenos deve ser fixado claramente no novo
Código. Pois eles estão já unidos à Igreja (22), já são da casa de Cristo (23),
e, não raro, eles levam já uma vida de fé, de esperança e de caridade.
Art. 3
A FORMAÇÃO
DA COMUNIDADE CRISTÃ
Formação da comunidade
cristã
15. O Espírito Santo, que chama todos os homens
a Cristo pelas sementes do Verbo e pela pregação do Evangelho e suscita nos
corações a homenagem da fé, quando gera no seio da fonte baptismal para uma nova
vida os que crêem em Cristo, reune-os num só Povo de Deus que é graça escolhida,
sacerdócio real, nação santa, povo adquirido»
Portanto, os
missionários, colaboradores de Deus (25), devem fazer nascer comunidades de
fiéis que, levando uma vida digna da vocação que receberam (26), sejam tais que
possam exercer as funções a elas confiadas por Deus: sacerdotal,
profética e real. E deste modo que uma comunidade cristã se torna sinal da
presença de Deus no mundo: pelo sacrifício eucarístico, com efeito, passa
incessantemente com Cristo ao Pai (27), alimentada cuidadosamente pela palavra de
Deus (28) dá testemunho de Cristo (29), caminha, enfim, na caridade e arde em
espírito apostólico (30).
Uma comunidade cristã deve ser constituída desde o
começo de tal maneira que possa, na medida do possível, prover por si mesma às
suas necessidades. Esta comunidade de fiéis, dotada das riquezas culturais da
sua própria nação, deve estar profundamente enraizada no povo: devem desabrochar
as famílias penetradas do espírito evangélico (31) e ajudadas por escolas idóneas;
devem organizar-se associações e agrupamentos por meio dos quais o apostolado
dos leigos possa penetrar do espírito evangélico toda a sociedade. A caridade
deve brilhar, enfim, entre os católicos de rito diferente (32).
Deve também
nutrir-se entre os néofitos o espírito ecuménico, pensando justamente que os
irmãos que crêem em Cristo são discípulos de Cristo, regenerados pelo Baptismo,
participantes de numerosos bens do Povo de Deus. Quanto o permitirem as
condições religiosas, deve promover-se a acção ecuménica, de sorte que, banindo
toda a aparência de indiferentismo, de confusionismo e odiosa rivalidade, os
católicos colaborem com os irmãos separados, em conformidade com as disposições
do decreto sobre o Ecumenismo, por meio da comum profissão de fé em Deus e em
Jesus Cristo diante dos gentios, na medida do possível, e pela cooperação em
questões sociais e técnicas, culturais e religiosas. Colaborem, sobretudo, por
amor de Cristo, seu Senhor comum: que o Seu nome os una! Esta colaboração deve
ser estabelecida não sòmente entre os indivíduos, mas também, a juízo do
Ordinário do lugar, entre igrejas ou comunidades eclesiais e as suas obras.
Os
cristãos, provenientes de todos os povos e reunidos em Igreja,
«não se
distinguem dos outros homens nem pelo país, nem pela língua, nem pela
organização política» (33); devem, por isso, viver para Deus e para Cristo segundo
os usos do seu próprio povo; cultivem verdadeira e eficazmente, como bons
cidadãos, o amor da pátria, mas evitem absolutamente o desprezo pelas outras
raças, o nacionalismo exagerado, e promovam o amor universal dos homens.
Para
conseguir estes resultados, têm grandíssima importância e são dignos de um
interesse particular os leigos, isto é, os fiéis cristãos que, incorporados em
Cristo pelo Baptismo, vivem no mundo. A eles pertence, depois de penetrados do
Espírito de Cristo, animar interiormente, à maneira de fermento, as realidades temporais e dispô-las para que se realizem
sempre segundo Cristo (34).
Não basta, porém, que o povo cristão esteja presente e
estabelecido num país; não basta também que ele exerça o apostolado do exemplo;
está estabelecido, está presente com esta finalidade: anunciar Cristo aos seus
concidadãos não-cristãos pela palavra e pela acção, e ajudá-los a receber
plenamente a Cristo.
Ora bem: para a implantação da
Igreja e para o
desenvolvimento da comunidade cristã, são necessários ministérios
diversos, que,
suscitados pelo apelo divino no seio da mesma comunidade dos fiéis,
devem ser
encorajados e cultivados por todos com diligente cuidado; entre estes
ministérios, há as funções dos sacerdotes, dos diáconos e dos
catequistas, e a acção católica. De modo análogo, os religiosos e as
religiosas desempenham, quer
pela oração quer pela acção, um serviço indispensável para enraizar nos
corações
o reino de Cristo, fortificá-lo e estendê-lo mais ao longe.
Constituição do clero local
16. Com imensa
alegria, a Igreja dá graças pelo dom inapreciável da vocação sacerdotal que Deus
concedeu a tão avultado número de jovens entre os povos recentemente convertidos
a Cristo. A Igreja, efectivamente, lança raízes mais vigorosas em cada
agrupamento humano, quando as várias comunidades de fiéis tiram dentre os seus
membros os próprios ministros da salvação na ordem dos Bispos, dos presbíteros e
dos diáconos, que servem os seus irmãos, de tal sorte que as jovens igrejas
adquirem a pouco e pouco a estrutura diocesana com clero próprio.
Aquilo que foi decidido por este Concílio a propósito da vocação
e da formação sacerdotal, observe-se religiosamente nos lugares em que a Igreja
começa a implantar-se e também nas novas igrejas. Preste-se muita atenção ao que
foi dito sobre a formação espiritual intimamente unida à formação doutrinal e
pastoral da vida vivida segundo o espírito do Evangelho, sem consideração de
vantagem pessoal ou interesse familiar, e sobre a formação do sentido íntimo do
mistério da Igreja. Assim aprenderão de maneira maravilhosa a consagrar-se
inteiramente ao serviço do corpo de Cristo e à obra do Evangelho, a aderir ao
próprio Bispo como fiéis colaboradores e a prestar leal colaboração aos seus
irmãos (35).
Para conseguir este fim geral, toda a formação dos
alunos deve ser orientada à luz do mistério da salvação, como vem exposto na
Escritura. Descubram e vivam este mistério de Cristo e da salvação dos homens
presente na Liturgia (36).
Estas exigências comuns da formação sacerdotal, que é também
pastoral e prática, devem harmonizar-se, segundo as disposições do Concílio
(37), com o desejo de ir ao encontro do modo
particular de pensar e de agir da sua própria nação. Os espíritos dos alunos
devem, pois, abrir-se e cultivar-se para bem conhecerem e poderem apreciar a
cultura do seu país; nas disciplinas filosóficas e teológicas, devem tomar
conhecimento das relações que há entre as tradições e as religiões nacionais e a
religião cristã (38). Do mesmo modo, a formação sacerdotal deve ter em vista as
necessidades pastorais da região: os alunos devem aprender a história, a
finalidade e o método da acção missionária da Igreja, e as condições
particulares, sociais, económicas e culturais do seu próprio povo. Devem ser
educados no espírito de ecumenismo e convenientemente preparados para o diálogo
fraterno com os não-cristãos (39). Tudo isto pede que os estudos para o sacerdócio
sejam realizados, quanto possível, em ligação contínua e convivência com a gente
do próprio país (40). Procure-se enfim, dar, uma formação que prepare para a
ordenada administração eclesiástica, e até mesmo a económica.
Dever-se-á também
escolher sacerdotes capazes que, depois de alguma experiência pastoral, realizem
estudos superiores em Universidades, mesmo estrangeiras, sobretudo em Roma, e em
outros Institutos científicos, de sorte que as igrejas jovens tenham à sua
disposição sacerdotes do clero local, dotados de ciência e experiência
convenientes, para desempenharem as funções eclesiásticas de maior
responsabilidade.
Nos lugares em que as Conferências episcopais julgarem
oportuno, restabeleça-se a ordem do diaconado como estado de vida permanente, em
conformidade com as normas da Constituição sobre a Igreja (41). É útil, com
efeito, que para exercer um ministério verdadeiramente diaconal, quer pregando a
palavra de Deus como catequistas, quer dirigindo em nome do pároco e do Bispo
comunidades cristãs dispersas, quer exercendo a caridade em obras sociais ou
caritativas, sejam fortificados pela imposição das mãos, transmitida desde o
tempo dos Apóstolos, e mais estreitamente unidos ao altar, para que desempenhem
o seu ministério mais eficazmente, por meio da graça sacramental do diaconado.
Formação dos catequistas
17. De
modo semelhante, é digno de elogio aquele exército com tantos méritos na obra
das missões entre pagãos, o exército dos catequistas, homens e mulheres, que,
cheios do espírito apostólico, prestam com grandes trabalhos uma ajuda singular
e absolutamente necessária à expansão da fé e da Igreja.
Hoje em dia, em razão da escassez de clero para evangelizar tão
grandes multidões e exercer o ministério pastoral, o ofício dos catequistas tem
muitíssima importância. A sua formação deve, portanto, fazer-se de maneira tão
acomodada ao progresso cultural, que eles possam desempenhar o mais
perfeitamente possível o seu múnus como colaboradores eficazes da ordem sacerdotal, múnus esse que se vai
complicando com novas e maiores obrigações.
É preciso, portanto, multiplicar as
escolas diocesanas e regionais, nas quais os futuros catequistas estudem
cuidadosamente a doutrina católica, sobretudo em matéria bíblica e litúrgica,
assim como o método catequético e a prática pastoral, e se formem na moral
cristã (42), exercitando-se sem desfalecimentos na piedade e na santidade de vida.
Além disso, devem organizar-se reuniões ou cursos de actualização nas
disciplinas e nas artes úteis ao seu ministério, e de renovação e robustecimento
da sua vida espiritual. Por outro lado, aos que se dedicam inteiramente a esta
ocupação, dever-se-á proporcionar, por uma justa remuneração, conveniente nível
de vida e segurança social (43).
É de desejar que se proveja, de maneira
conveniente, à formação e sustentação dos catequistas, por meio de subsídios
especiais da sagrada Congregação de «Propaganda Fide». Parecendo necessário e
conveniente, funde-se uma Obra para os catequistas.
Além disso, as igrejas serão
reconhecidas ao trabalho generoso dos catequistas auxiliares, cuja ajuda lhes
será indispensável. São eles que presidem às orações nas comunidades e ensinam a
doutrina. É preciso, pois, tratar da sua conveniente formação doutrinal e
espiritual. Por outro lado, é de desejar que, onde parecer oportuno, seja
confiada pùblicamente, durante a celebração duma acção litúrgica, a missão
canónica aos catequistas que tiverem recebido a devida formação, a fim de.
estarem com maior autoridade ao serviço da fé junto do povo.
Promoção da vida religiosa
18. Desde o período
da implantação da Igreja, deve ter-se o cuidado de promover a vida religiosa;
esta não sòmente presta ajuda preciosa e absolutamente necessária à actividade
missionária, mas, por uma consagração mais íntima feita a Deus na Igreja,
manifesta e significa com esplendor também a natureza íntima da vocação cristã.
(44)
Os Institutos religiosos que trabalham na implantação da Igreja,
profundamente impregnados das riquezas místicas que são a glória da tradição
religiosa da Igreja, devem esforçar-se por as exprimir e as transmitir, segundo
o génio e carácter de cada povo. Devem examinar como é que as tradições
ascéticas e contemplativas, cujos germes foram, algumas vezes, espalhados por
Deus nas civilizações antigas, antes da pregação do Evangelho, podem ser
assumidas pela vida religiosa cristã.
Devem cultivar-se nas igrejas jovens as
diversas formas de vida religiosa para que mostrem os diversos aspectos da
missão de Cristo e da vida da Igreja, e se dediquem às várias obras pastorais, e
preparem convenientemente os seus membros para as desempenhar. No entanto,
procurem os Bispos nas Conferências que não se multipliquem Congregações
com o mesmo fim apostólico, com prejuízo da vida religiosa e do apostolado.
São
dignas de menção especial as diversas iniciativas em vista ao enraizamento da
vida contemplativa; certos Institutos, guardando os elementos essenciais da
instituição monástica, trabalham por implantar a riquíssima tradição da sua
Ordem; outros voltam às formas mais simples do monaquismo antigo. Todos, no
entanto, devem procurar uma autêntica adaptação às condições locais. Uma vez que
a vida contemplativa pertence à plenitude da presença da Igreja, é preciso que
ela seja instaurada por toda a parte nas novas igrejas.
CAPÍTULO
III
AS IGREJAS PARTICULARES
Incremento das Igrejas jovens
19. A obra de implantação da Igreja num
determinado agrupamento humano atinge em certa medida o seu termo, quando a
comunidade dos fiéis, enraizada já na vida social e adaptada à cultura local,
goza de alguma estabilidade e firmeza: com recursos próprios, ainda que
insuficientes, de clero local, de religiosos e de leigos; possui já os
ministérios e instituições necessárias para viver e desenvolver a vida do Povo
de Deus, sob a orientação do próprio Bispo.
Nestas igrejas jovens, a vida do
Povo de Deus deve adquirir a maturidade em todos os sectores da vida cristã,
renovada segundo as normas deste Concílio: os grupos de fiéis tornam-se de dia
para dia mais conscientemente comunidades de fé, de liturgia e de caridade; pela
sua actividade cívica e apostólica, os leigos trabalham por instaurar na
sociedade uma ordem de caridade e de justiça; os meios de comuniçação social são
empregados de maneira oportuna e prudente; graças a uma vida verdadeiramente
cristã, as famílias tornam-se viveiros do apostolado dos leigos e das vocações
sacerdotais e religiosas. A fé, enfim, é ensinada por meio duma catequese
adaptada, é celebrada numa liturgia conforme ao génio do povo, e, por uma
legislação canónica conveniente, passa para as instituições e para os costumes
locais.
Os Bispos, cada um com o seu presbitério, cada vez mais penetrados do
sentido de Cristo e da Igreja, devem sentir e viver com a Igreja universal. Deve
manter-se íntima a comunhão das igrejas jovens com a Igreja inteira, cujos
elementos tradicionais elas devem juntar à sua cultura própria, para fazer
crescer a vida do Corpo místico por meio de trocas mútuas(1). Por isso, devem
cultivar-se os elementos teológicos, psicológicos e humanos que podem contribuir
para fomentar este sentido de comunhão com a Igreja universal.
Estas igrejas,
porém, não raro situadas nas regiões mais pobres do globo, vêem-se ainda a
braços com insuficiência, ordinàriamente muito grave, de sacerdotes, e com falta
de recursos materiais. Por isso, têm muitíssima necessidade de que a acção
missionária continuada da Igreja inteira lhes subministre os socorros que
sirvam, antes de mais, para o desenvolvimento da igreja local e para a
maturidade da vida cristã. Esta acção missionária deve atender também às igrejas
fundadas há longa data que se encontram em estado de retrocesso ou decadência.
Estas igrejas, todavia, devem renovar o seu zelo pastoral comum e as obras
oportunas para aumentar em número, discernir com mais segurança e cultivar com
mais eficácia as vocações para o clero diocesano e para os Institutos religiosos
(2), de maneira que, pouco a pouco, possam prover às suas próprias necessidades
e auxiliar as outras.
A sua actividade missionária
20. A igreja
particular, pela obrigação que tem de representar o mais perfeitamente possível
a Igreja universal, deve ter consciência que foi também enviada aos habitantes
do mesmo território que não crêem em Cristo, a fim de ser, pelo testemunho da
vida de cada um dos fiéis e de toda a comunidade, um sinal a mostrar-lhes
Cristo.
Além disso, para o Evangelho chegar a todos, é indispensável o
ministério da palavra. É preciso que o Bispo seja, antes de mais, um pregador da
fé, que conduza a Cristo novos discípulos (3). Para se desempenhar, como convém,
desta nobre incumbência, deve conhecer bem a situação do seu rebanho, as
opiniões íntimas dos seus concidadãos a respeito de Deus, tomando cuidadosamente
em linha de conta as mudanças introduzidas pela urbanização, migração e
indiferentismo religioso.
Nas igrejas jovens, os sacerdotes nativos empreendam
com ardor a obra da evangelização, organizando uma acção comum com os
missionários estrangeiros, com os quais formam um presbitério único, unido
debaixo da autoridade do Bispo, não só para apascentar os fiéis e celebrar o
culto divino, mas também para pregar o Evangelho àqueles que estão fora. Eles
devem mostrar-se prontos e, havendo ocasião, oferecer-se com fervor ao Bispo
para empreender o trabalho missionário nas regiões afastadas e abandonadas da
sua própria diocese, ou em outras dioceses.
Do mesmo zelo em relação aos seus
concidadãos, sobretudo os mais pobres, devem sentir-se animados os religiosos e
as religiosas, bem como os leigos.
As Conferências episcopais procurem
organizar, em tempos. determinados, cursos de renovação bíblica, teológica,
espiritual e pastoral, para que, na variedade e mudança de situações, o clero
adquira um conhecimento mais pleno da ciência teológica e dos métodos pastorais.
Quanto ao mais, observe-se religiosamente o que este Concílio determinou,
especialmente no decreto sobre o ministério e a vida dos sacerdotes.
Para que
esta obra missionária duma igreja particular possa ser levada a bom
termo, é
necessário que haja ministros capazes, oportunamente preparados em
conformidade
com o condicionalismo de cada igreja. Uma vez que os homens se reúnem
cada vez
mais em grupos, convém absolutamente que as Conferências episcopais
tenham
planos comuns sobre . o diálogo a instituir com esses grupos. Se em
certas
regiões se encontram grupos de homens, que são impedidos de abraçar a fé
católica pelo facto de não poderem adaptar-se à forma particular que a
Igreja aí
tenha revestido, é de desejar que se proveja de maneira especial a essa
situação
(4), até que todos os cristãos possam ser congregados numa só
comunidade. Os
Bispos devem chamar para as suas dioceses ou receber de boa vontade os
missionários de que a Sé Apostólica puder dispor para esta finalidade,
e favorecer eficazmente as suas iniciativas.
Para que este zelo missionário
comece a florescer entre os naturais do país, convém absolutamente que as
igrejas jovens participem efectivamente na missão universal da Igreja, enviando
elas também missionários a anunciar o Evangelho por toda a terra, ainda que elas
sofram de falta de clero. A comunhão com a Igreja inteira estará, de certo modo,
consumada quando, também elas, tomarem parte activa na acção missionária junto
de outros povos.
Promoção do apostolado dos leigos
21. A Igreja não está fundada verdadeiramente, nem vive
plenamente, nem é o sinal perfeito de Cristo entre os homens se, com a
Hierarquia, não existe e trabalha um laicado autêntico. De facto, sem a presença
activa dos leigos, o Evangelho não pode gravar-se profundamente nos espíritos,
na vida e no trabalho de um povo. Por isso, é necessário desde a fundação da
Igreja prestar grande atenção à formação dum laicado cristão amadurecido.
Os
leigos pertencem, ao mesmo tempo, ao Povo de Deus e à sociedade civil:
pertencem, por um lado, à nação em que nasceram, de cujos tesouros culturais
participam pela educação, a cuja vida estão ligados por múltiplos laços sociais,
para cujo progresso cooperam com o seu esforço nas suas profissões, cujos
problemas sentem e procuram resolver como próprios; pertencem também a Cristo,
porque foram regenerados na Igreja pela fé e pelo Baptismo, a fim de serem de
Cristo(5) pela renovação da vida e acção, para que em Cristo tudo seja submetido
a Deus, e, enfim, Deus seja tudo em todos (6).
O principal dever deles, homens e
mulheres, é o testemunho de Cristo, que eles têm obrigação de dar, pela sua vida
e palavras, na família, no grupo social, no meio profissional. É necessário que
se manifeste neles o homem novo criado segundo Deus em justiça e santidade
verdadeira (7). Devem exprimir esta novidade de vida no meio social e cultural da
sua pátria, em conformidade com as tradições nacionais. Devem conhecer esta
cultura, purificá-la, conservá-la, desenvolvê-la segundo as novas situações,
enfim, dar-lhe a sua perfeição em Cristo, a fim que a fé em Cristo e a vida da
Igreja deixem de ser estranhas à sociedade em que vivem mas comecem a penetrá-la
e a transformá-la. Devem unir-se aos seus concidadãos com caridade sincera, a
fim de que no seu comportamento apareça um novo laço de unidade e de
solidariedade universal, haurida no mistério de Cristo. Devem transmitir a fé em
Cristo também àqueles a quem estão ligados pela vida e profissão; esta obrigação
impõe-se tanto mais quanto a maior parte dos homens não podem ouvir o Evangelho
e conhecer a Cristo senão pelos seus vizinhos leigos. Mais ainda: onde for
possível, devem os leigos estar prontos a cumprir, em colaboração mais imediata
com a Hierarquia, a missão especial de anunciar o Evangelho e comunicar a
doutrina cristã, a fim de tornarem mais vigorosa a Igreja nascente.
Os ministros da Igreja, por sua vez, devem ter em muito apreço o apostolado activo
dos leigos. Devem formá-los para, como membros de Cristo, tomarem consciência da
sua responsabilidade em relação aos outros homens; devem instruí-los
profundamente no mistério de Cristo, iniciá-los nos métodos práticos,
assistir-lhes nas dificuldades, em conformidade com o pensamento da Constituição
sobre a Igreja e do decreto sobre o Apostolado dos leigos.
Bem respeitadas as funções e as responsabilidades próprias dos pastores e dos
leigos, a jovem igreja toda inteira deve dar um único testemunho vivo e firme de
Cristo, a fim de se tornar um sinal luminoso da salvação que em Cristo veio até
nós.
Diversidade na Unidade
22. A semente da palavra de Deus, germinando em boa terra, regada pelo
orvalho divino, absorve a seiva, transforma-a e assimila-a para produzir fruto
abundante. Certamente, de modo análogo à economia da encarnação, as igrejas
jovens, enraizadas em Cristo e construídas sobre o fundamento dos Apóstolos,
recebem, por um maravilhoso intercâmbio, todas as riquezas das nações que foram
dadas a Cristo em heranças. Recebem dos costumes e das tradições dos seus povos,
da sabedoria e da doutrina, das artes e das disciplinas, tudo aquilo que pode
contribuir para confessar a glória do criador, ilustrar a graça do Salvador, e
ordenar, como convém, a vida cristã (9).
Para conseguir este objectivo, é
necessário que em cada grande espaço socio-cultural, se estimule uma reflexão
teológica tal que, à luz da tradição da Igreja universal, as acções e as
palavras reveladas por Deus, consignadas na Sagrada Escritura, e explicadas pelos
Padres da Igreja e pelo magistério, sejam sempre de novo investigadas. Assim se
entenderá mais claramente o processo de tornar a fé inteligível, tendo em conta
a filosofia ou a sabedoria dos povos, e a maneira de os costumes, o sentido da
vida e a ordem social poderem concordar com a moral manifestada pela revelação
divina. Deste modo se descobrirá o caminho para uma mais profunda adaptação em
toda a extensão da vida cristã. Toda a aparência de sincretismo e de falso
particularismo, será assim excluída, a vida cristã conformar-se-á bem ao génio
de cada cultura (10), as tradições particulares e qualidades próprias de cada
nação, esclarecidas pela luz do Evangelho, serão assumidas na unidade católica.
Enfim, as novas igrejas particulares, enriquecidas pelas suas tradições, terão o
seu lugar na comunhão eclesiástica, ficando intacto o primado da cátedra de
Pedro, que preside a toda a assembleia da caridade (11).
É, portanto, de desejar, ou
antes, convém absolutamente que as Conferências episcopais, dentro dos limites
de cada grande espaço socio-cultural, se unam entre si para, de ânimo concorde e
pondo em comum os seus planos, conseguirem este objectivo da adaptação.
CAPÍTULO IV
OS MISSIONÁRIOS
A vocação missionária
23. Embora a todo o discípulo de Cristo incumba a
obrigação de difundir a fé conforme as suas possibilidades(1), Cristo Senhor chama
sempre dentre os discípulos os que Ele quer para estarem com Ele e os enviar a
evangelizar os povos (2). E assim, mediante o Espírito Santo, que para utilidade
comum reparte os carismas como quer (3), inspira no coração de cada um a vocação
missionária e ao mesmo tempo suscita na Igreja Institutos (4), que assumem, como
tarefa própria, o dever de evangelizar, que pertence a toda a Igreja.
De facto,
são marcados com vocação especial aqueles que, dotados de índole natural
conveniente e das qualidades e talentos requeridos, estão prontos para
empreender o trabalho missionário (5), quer sejam nativos quer estrangeiros:
sacerdotes, religiosos e leigos. Enviados pela legítima autoridade, partem,
movidos pela fé e obediência, para junto dos que estão longe de Cristo,
escolhidos para uma obra à qual foram destinados (6) como ministros do Evangelho,
«a fim de que a oblação dos gentios seja aceite e santificada no Espírito Santo»
(Rom. 15,16).
Espiritualidade missionária
24. Porém, ao chamamento de Deus, o homem deve responder de forma
tal que, sem se deixar guiar pela carne e sangue(7), todo ele se entregue à obra
do Evangelho. Mas esta resposta não pode ser dada senão por impulso e virtude do
Espírito Santo. O enviado entra, portanto, na vida e missão d'Aquele que «a si
mesmo se aniquilou tomando a forma de servo» (Fil. 2,7). Por conseguinte, deve
estar pronto a perseverar toda a vida na vocação, a renunciar a si e a todas as
suas coisas, e a fazer-se tudo para todos (8).
Anunciando o Evangelho aos povos,
dê a conhecer confiadamente o mistério de Cristo, do qual é legado, de maneira
que ouse falar d'Ele como convém (9), não se envergonhando do escândalo da cruz.
Seguindo os passos do seu mestre, manso e humilde de coração, mostre que o Seu
jugo é suave e leve a Sua carga (10). Mediante uma vida verdadeiramente evangélica
(11), com muita paciência, longanimidade, suavidade, caridade sincera (12), dê
testemunho do seu Senhor até à efusão do sangue, se for necessário. Alcançará de
Deus virtude e força para descobrir a abundância de gozo que se encerra na
grande prova da tribulação e da pobreza absoluta (13).
Persuada-se que a obediência é a virtude peculiar do ministro de Cristo que,
pela Sua obediência, redimiu o género humano.
Os pregadores do Evangelho, para
não negligenciar a graça que em si têm, renovem continuamente o seu espírito (14).
Por sua vez, os Ordinários e os Superiores reunam os missionários em tempos
determinados, a fim d.e mais se robustecerem na esperança da vocação e se
renovarem no ministério apostólico, fundando até, para isso, casas apropriadas.
Formação espiritual e moral
25. Para tão sublime empresa, há-de o futuro missionário preparar-se com
esmerada formação espiritual e moral (15). Deve, com efeito, ser capaz de tomar
iniciativas, constante para levar a cabo as obras, perseverante nas
dificuldades, suportando com paciência e fortaleza a solidão, a fadiga, o
trabalho infrutuoso. Com espírito aberto e coração dilatado, irá ao encontro dos
homens; abraçará de boa vontade os trabalhos que lhe confiarem; adaptar-se-á
também generosamente aos diversos costumes e variadas condições dos povos; com
ânimo concorde e mútua caridade colaborará com seus irmãos e com todos quantos
se consagram à mesma empresa, de maneira que, juntamente com os fiéis, imitando
a comunidade apostólica, tenham um só coração e uma só alma (16).
Estas disposições de espírito sejam diligentemente exercitadas, cuidadosamente
cultivadas, elevadas e alimentadas com a vida espiritual, já desde o tempo da
formação. Cheio de fé viva e esperança indefectível, o missionário seja homem de
oração; arda no espírito de fortaleza, de caridade e de temperança (17); aprenda
a bastar-se com o que tem (18); pelo espírito de sacrifício, leve em si o estado
de morte de Jesus, a fim de que a vida de Jesus opere naqueles aos quais é
enviado (19); com verdadeiro zelo gaste tudo e desgaste-se a si mesmo pelo bem
das almas (20), de tal forma que «mediante o exercício diário do seu ministério,
cresça no amor de Deus e do próximo» (21). Desta sorte, obedecendo com Cristo à
vontade do Pai, continuará a Sua missão sob a autoridade hierárquica da Igreja,
e cooperará no mistério da salvação.
Formação doutrinal e apostólica
26. Os que forem enviados aos diversos povos, como bons
ministros de Cristo, devem ser alimentados «com a palavra da fé e da boa
doutrina» (1 Tim. 4,6), a qual haurirão primeiramente na Sagrada Escritura,
perscrutando o mistério de Cristo, de quem serão arautos e testemunhas.
E assim,
todos os missionários — sacerdotes, irmãos, irmãs, leigos
— sejam preparados e
formados, cada qual segundo a sua condição, de maneira a estarem à altura das
exigências do trabalho futuro (22). Já desde o começo, de tal modo
se processe a sua formação doutrinal, que abranja tanto a universalidade da
Igreja como a diversidade das nações. E isto vale tanto de todas as disciplinas,
em que se formam para o desempenho do ministério, como das disciplinas úteis
para o conhecimento dos povos, das culturas, das religiões, com vistas não só ao
passado mas também ao tempo presente. Aquele, pois, que é destinado a outra
nação, tenha em grande apreço o seu património, língua e costumes. Ao futuro
missionário importa sumamente que se aplique aos estudos missiológicos, isto é,
a conhecer a doutrina e as normas da Igreja em matéria de actividade
missionária, a informar-se sobre os caminhos percorridos pelos arautos do
Evangelho, ao longo dos séculos, como também sobre a condição presente das
missões e sobre os métodos considerados hoje mais eficazes (23).
Embora toda a
formação deva estar imbuída de solicitude pastoral, ministre-se-lhes, contudo,
peculiar e bem orientada formação apostólica, quer teórica quer prática (24).
Forme-se o maior número possível de irmãos e de irmãs em catequética, para darem
maior colaboração no apostolado.
Mesmo aqueles que se dedicam só por algum tempo
à acção missionária, devem adquirir a formação adequada à sua condição.
Estas
diversas espécies de preparação, porém, devem ser completadas nas próprias
terras de missão, de modo que os missionários adquiram mais profundo
conhecimento da história, das estruturas sociais e dos costumes dos povos, e se
inteirem da ordem moral e dos preceitos religiosos, bem como do verdadeiro
pensamento que esses povos, conforme suas tradições sagradas, possuem acerca de
Deus, do mundo e do homem (25). Quanto às línguas, aprendam-nas de modo a usá-las
com facilidade e elegância, e terem, assim, mais fácil acesso à inteligência e
ao coração dos homens (26). Finalmente, sejam devidamente iniciados nas
necessidades pastorais características da terra.
Haja também pessoal preparado
de modo mais profundo em Institutos missiológicos ou noutras Faculdades ou
Universidades, que possa desempenhar cargos de maior responsabilidade (27), e, com
a sua ciência, auxiliar os outros missionários no exercício da obra
evangelizadora, que, na hora actual, apresenta tantas dificuldades e
oportunidades. Além disso, é muito para desejar que as Conferências episcopais
regionais tenham à sua disposição um bom número destes peritos e que, nas
necessidades do próprio cargo, façam proveitoso uso do seu saber
e experiência. Nem falte igualmente quem saiba usar com perícia os instrumentos
técnicos e de comunicação social, cuja importância todos reconheçam devidamente.
Institutos missionários
27. Tudo isto, embora absolutamente necessário a cada um dos enviados ao campo
do apostolado, na realidade, dificilmente pode ser conseguido pelos indivíduos
isolados. Visto que a mesma obra missionária, como prova a experiência, não pode
ser realizada pelos indivíduos isolados, a vocação comum reuniu-os em
Institutos, nos quais, pelo esforço comum, se formassem convenientemente e
executassem essa tarefa em nome da Igreja e segundo a vontade da autoridade
hierárquica. Os Institutos, desde há muitos séculos que têm suportado o peso do
dia e do calor, consagrando-se inteiramente ou em parte à empresa apostólica.
Muitas vezes a Santa Sé confiou à sua evangelização vastos territórios, nos
quais reuniram para Deus um novo povo, uma igreja local à volta dos seus
próprios pastores. A essas igrejas, fundadas à custa do seu suor e até do seu
sangue, prestarão serviço com zelo e experiência em fraterna cooperação, já na
cura das almas, já em cargos especiais em função do bem comum.
Algumas vezes,
tomarão a seu cargo em toda uma região certos trabalhos mais urgentes, como por
exemplo, a missionação de grupos ou de povos que, devido a especiais razões,
ainda não receberam a boa nova do Evangelho, ou a ela resistiram até ao presente
(28).
Se for preciso, dediquem-se a formar e ajudar com a sua experiência aqueles
que se consagram por um tempo determinado à acção missionária.
Por todos estes
motivos, e porque há ainda numerosas gentes para conduzir a Cristo, os
Institutos continuam a ser da máxima necessidade.
CAPÍTULO V
A ORGANIZAÇÃO DA ACTIVIDADE MISSIONÁRIA
Introdução: sua necessidade
28. Os fiéis, em virtude de
possuirem dons diferentes (1), devem colaborar no Evangelho, cada um segundo as suas
possibilidades, aptidões, carismas e ministérios (2); é ainda necessário que
todos, os que semeiam e os que segam (3), sejam um só (4), a fim de que,
«conspirando livre e ordenadamente para o mesmo fim»
(5), empreguem unânimemente
as suas forças na edificação da Igreja.
Por isso, os trabalhos dos arautos do
Evangelho e os auxílios dos restantes fiéis devem ser orientados e unidos de
modo a que tudo se faça com ordem (1 Cor. 14,40) em todas as actividades e
esferas da cooperação missionária.
Organização geral
29. O cuidado de anunciar o Evangelho em
todas as partes da terra pertence, antes de mais, ao corpo episcopal (6); por
isso, o Sínodo episcopal ou «Conselho
permanente de Bispos para toda a Igreja»
(7), entre os assuntos de importância geral (8), deve atender de modo
especial à actividade missionária, que é a principal e a mais sagrada da
Igreja
(9).
Para
todas as missões e para toda a actividade missionária, haja um só dicastério
competente, a saber, a Congregação de «Propaganda Fide», que orientará e
coordenará, em todo o mundo, tanto a actividade como a cooperação missionária,
ressalvando-se, contudo, o direito das Igrejas orientais 1°.
Embora o Espírito
Santo suscite, de muitos modos, na Igreja de Deus, o espírito missionário, e não
poucas vezes se anteceda à acção dos que governam a vida da Igreja, este
dicastério, contudo, deve promover, da sua parte, a vocação e a espiritualidade
missionária, o zelo e a oração pelas missões, e uma exacta e adequada informação
sobre elas. Suscite e distribua os missionários, segundo as necessidades mais
urgentes das regiões. Organize um plano de acção; dele promanem as normas
directivas, os princípios para a evangelização, e dele procedam os impulsos.
Incite e coordene a recolha eficaz de subsídios, que devem distribuir-se segundo
a medida da necessidade ou da utilidade, da extensão do território, do número de
fiéis e infiéis, das obras e das instituições, dos auxiliares e dos missionários
Em união com o «Secretariado para a união
dos cristãos», procure os meios de realizar e ordenar a colaboração fraterna e a convivência com as
iniciativas missionárias doutras comunidades cristãs, a fim de se evitar, quanto
possível, o escândalo da divisão.
Por isso, importa que este dicastério seja
tanto instrumento de administração como órgão de direcção dinâmica, empregando
os métodos científicos e os instrumentos adaptados às condições actuais, e tendo
em conta a actual investigação da teologia, metodologia e pastoral missionária.
Na direcção deste dicastério, tenham parte muito activa, com voto deliberativo,
representantes escolhidos de todos aqueles que trabalham na obra missionária: os
Bispos de todo o mundo, depois de ouvidas as Conferências episcopais, e os
Superiores dos Institutos e das Obras pontifícias, segundo as normas e
proporções que o Romano Pontífice estabelecer. Todos estes, que hão-de ser
convocados em datas fixas, exerçam, sob a autoridade do Sumo Pontífice, a
suprema orientação de toda a obra missionária.
Esteja à disposição deste dicastério
um grupo permanente de consultores peritos, de reconhecida ciência e
experiência, aos quais pertence, entre outras coisas, reunir uma informação
oportuna sobre as condições locais das várias regiões, a mentalidade dos
diferentes grupos humanos, os métodos de evangelização a empregar, e propor
conclusões cientificamente fundadas para a cooperação missionária.
Estejam convenientemente representados os Institutos de religiosas, as obras
regionais a favor das missões, e as organizações de leigos, sobretudo as
internacionais.
Organização local das missões
30.
Para que, no exercício da obra missionária, se atinjam os fins e os resultados,
devem todos os operários missionários ter um «só coração e uma só alma» (Act.
4,32).
Pertence ao Bispo, como regra e centro de unidade no apostolado
diocesano, promover, dirigir e coordenar a actividade missionária, mas
de tal
modo que se conserve e fomente a iniciativa espontânea dos que
participam na
obra. Todos os missionários, mesmo os religiosos isentos, estão sob a
sua
jurisdição nos vários trabalhos que dizem respeito ao exercício do
apostolado (11). Para melhor coordenação, constitua o Bispo, na medida
do possível, um
Conselho pastoral, em que participem, por meio de delegados escolhidos,
os
clérigos, os religiosos e os leigos. Procure ainda que a acção
apostólica não se
limite aos convertidos, mas que os operários e os subsídios se destinem
equitativamente à evangelização dos não-cristãos.
Organização regional
31. As Conferências episcopais
resolvam, de comum acordo, as questões mais graves e os problemas mais urgentes,
sem menosprezarem, contudo, as diferenças locais (12). Para não dissipar o número
já insuficiente de pessoas e de subsídios e não multpilicar sem necessidade as
iniciativas, recomenda-se a fundação de obras comuns que sirvam o bem de todos;
por exemplo, seminários, escolas superiores e técnicas, centros de pastoral,
catequética, liturgia e dos meios de comunicação social.
Organize-se igualmente uma oportuna cooperação entre as diversas Conferências
episcopais.
Actividade dos Institutos missionários
32. E ainda da máxima importância coordenar as actividades exercidas
pelos Institutos ou Associações eclesiásticas. Todos eles, seja qual for o seu
género, devem secundar o Ordinário do lugar, em tudo o que se relaciona com a
actividade missionária. Por isso, aproveitará muito realizar acordos
particulares, em que se regulem as relações entre o Ordinário do lugar e o
Superior do Instituto.
Quando a um Instituto for confiado um território, o
Superior eclesiástico e o Instituto tenham muito a peito orientar tudo para que
a nova comunidade cristã se transforme em igreja local, a qual, no momento
oportuno, será governada por pastor próprio, com o seu clero.
Ao acabar o
encargo do território, surge uma nova condição. Então, as Conferências
episcopais e os Institutos, de comum acordo, estabeleçam as normas que hão-de
reger as relações entre os Ordinários de lugar e os Institutos (13). Contudo,
pertence à Santa Sé estabelecer os princípios gerais, pelos quais se organizarão
os acordos regionais ou até particulares.
Os Institutos devem estar prontos a continuar a obra começada, colaborando no
ministério ordinário da cura de almas: mas, com o aumento do clero local, deve
providenciar-se a que os Institutos, na medida em que for conforme à sua
finalidade, se mantenham fiéis à própria diocese, encarregando-se generosamente
de obras especiais ou de alguma região.
Coordenação dos Institutos missionários
33. Os diversos Institutos que se dedicam à actividade missionária no mesmo
território procurem os processos e os modos de coordenar as suas obras. Serão,
portanto, de grande utilidade, as Conferências de religiosos e as Uniões de
religiosas, em que participem todos os Institutos da mesma nação ou região.
Vejam Conferências o que podem fazer com o esforço comum e mantenham estreitas
relações com as Conferências episcopais.
Tudo isto, por igual motivo, convém estendê-lo à colaboração dos Institutos
missionários na sua pátria de origem, de modo que mais facilmente e com menos
despesas se possam resolver os assuntos e empreendimentos comuns, como, por
exemplo, a formação doutrinal dos futuros missionários, os cursos para
missionários, as relações para com as autoridades civis ou organismos nacionais
e internacionais.
Coordenação dos Institutos científicos
34. Como o recto e ordenado
exercício da actividade missionária exige que os operários evangélicos se
preparem cientificamente para a sua função, sobretudo para o diálogo com as
religiões e culturas não-cristãs, e que sejam ajudados eficazmente na execução,
é de desejar que colaborem entre si fraterna e generosamente a favor das missões
todos os Institutos científicos que estudam missiologia e outras disciplinas ou
artes úteis às missões, como a etnologia e a linguística, a história e a ciência
das religiões, a sociologia, a pastoral e outras coisas semelhantes.
CAPÍTULO VI
A COOPERAÇÃO
Introdução. Consciência da responsabilidade
35. Dado que a Igreja é toda ela missionária, e a obra
da evangelização é um dever fundamental do Povo de Deus, o sagrado Concílio
exorta todos a uma profunda renovação interior, para que tomem viva consciência
das próprias responsabilidades na difusão do Evangelho e assumam a parte que
lhes compete na obra missionária junto dos gentios.
Dever missionário de todo o povo de Deus
36. Como membros de Cristo
vivo e a Ele incorporados e configurados não só pelo Baptismo mas também pela
Confirmação e pela Eucaristia, todos os fiéis estão obrigados, por dever, a
colaborar no crescimento e na expansão do Seu corpo para o levar a atingir,
quanto antes, a sua plenitude(1).
Por isso, todos os filhos da Igreja tenham
consciência viva das suas responsabilidades para com o mundo, fomentem em si um
espírito verdadeiramente católico, e ponham as suas forças ao serviço da obra da
evangelização. Saibam todos, porém, que o primeiro e mais irrecusável contributo
para a difusão da fé, é viver profundamente a vida cristã. Pois o seu fervor no
serviço de Deus e a sua caridade para com os outros é que hão-de trazer a toda a
Igreja o sopro de espírito novo que a fará aparecer como um sinal levantado
entre as nações (2), como «luz do mundo» (Mt. 5,14) e
«sal da terra» (Mt. 5,13).
Este testemunho de vida produzirá mais facilmente o seu efeito, se for dado
conjuntamente com as outras comunidades cristãs, segundo as normas do decreto
sobre o ecumenismo (3).
Deste espírito renovado brotará espontâneamente a oferta
de orações e de obras de penitência a Deus, para que fecunde com a sua graça a
acção dos missionários; dele nascerão vocações missionárias e sairão os recursos
de que as missões necessitam.
Porém, para que todos e cada um dos fiéis conheçam
plenamente o estado actual da Igreja no mundo e oiçam a voz das multidões que
clamam: «Vem em nosso auxílio» (4)
facilitem-se, até pelos meios modernos de
comunicação social, notícias missionárias tais que os façam sensíveis à
actividade missionária e lhes abram o coração a tão profundas e imensas
necessidades dos homens par lhes poderem valer.
É também necessária uma coordenação das notícias e a cooperação com os
organismos nacionais e internacionais.
Dever missionário das comunidades cristãs
37. Como o Povo de Deus vive em comunidades, sobretudo diocesanas e paroquiais,
e é nelas que, de certo modo, se torna visível, pertence a estas dar também
testemunho de Cristo perante as nações.
A graça da renovação não pode crescer
nas comunidades, a não ser que cada uma dilate o campo da sua caridade até aos
confins da terra e tenha igual solicitude pelos que são de
longe como pelos que são seus próprios membros.
Assim, toda a comunidade reza,
coopera e exerce actividade entre os gentios, por meio dos seus filhos a quem
Deus escolheu para este importantíssimo encargo.
É muito útil que, contanto que
não crie desinteresse pela obra missionária universal, manter relações com os
missionários oriundos da própria comunidade ou com determinada paróquia ou
diocese das missões, para tornar visível a comunhão entre as comunidades e
contribuir para mútua edificação.
Dever missionário dos Bispos
38. Todos os Bispos, como membros do corpo
episcopal, sucessor do Colégio apostólico, são consagrados não só em benefício
duma diocese mas para salvação de todo o mundo. O mandato de Cristo de pregar o
Evangelho a toda a criatura (5) afecta-os, primária e imediatamente a eles, com
Pedro e sob Pedro. Daí nascem aquela comunhão e cooperação das igrejas, hoje tão
necessárias para levar a cabo a obra da evangelização. Em virtude desta
comunhão, cada uma das igrejas leva em si a solicitude por todas as outras,
manifestam umas às outras as próprias necessidades, comunicam entre si as suas
coisas, pois a dilatação do corpo de Cristo é dever de todo o Colégio episcopal
(6).
Na sua diocese, o Bispo, que forma uma só coisa com ela, ao suscitar,
promover e dirigir a obra missionária, torna presentes e como que palpáveis o
espírito e o ardor missionário do Povo de Deus, de maneira que toda a diocese se
torna missionária. É da responsabilidade do Bispo suscitar no seu povo e
sobretudo entre os doentes e os oprimidos, almas que ofereçam a Deus, de todo o
coração, orações e penitências pela evangelização do mundo; favorecer de bom
grado as vocações de jovens e até de clérigos para os Institutos missionários,
aceitando reconhecido que Deus escolha alguns para a actividade missionária da
Igreja; exortar e ajudar as Congregações diocesanas para que assumam a sua parte
nas missões; promover junto dos seus fiéis as obras dos Institutos missionários,
mas sobretudo as Obras missionárias pontifícias. Com todo o direito se deve dar
o primeiro lugar a estas Obras, uma vez que são meios quer para dar aos
católicos um sentido verdadeiramente universal e missionário logo desde a
infância, quer para promover colectas eficazes de subsídios para bem de todas as
missões segundo as necessidades de cada uma (7).
Como cresce de
dia para dia a necessidade de operários na vinha do Senhor e os sacerdotes
diocesanos desejam, eles também, ter parte cada vez maior na evangelização do
mundo, o sagrado Concílio deseja que os Bispos, ponderando a gravíssima penúria de
sacerdotes que impede a evangelização de muitas regiões, enviem, depois da
devida preparação, alguns dos seus melhores sacerdotes que se ofereçam para as
missões, para as dioceses mais carecidas de clero, com o fim de exercerem aí o
ministério missionário em espírito de serviço, pelo menos durante um tempo
determinado (8).
Mas, para que a actividade missionária dos Bispos a bem de toda a
Igreja se possa exercer mais eficazmente, convém que as Conferências episcopais
tomem a direcção de todos os assuntos que dizem respeito a uma ordenada
cooperação da própria região.
Nas suas Conferências tratem os Bispos dos
sacerdotes do clero diocesano que devem dedicar à evangelização dos gentios; da
contribuição fixa que cada diocese, em proporção com os seus recursos, deve
oferecer todos os anos para a obra das missões (9); da direcção e organização das
formas e dos meios de ajudar directamente as missões; do auxílio e, se for
preciso, até da fundação de Institutos missionários e seminários do clero
diocesano para as missões; do estreitamento dos laços entre estes Institutos e
as dioceses.
Às Conferências episcopais pertence também fundar e promover
instituições que fraternalmente recebam e ajudem, com o devido interesse
pastoral, os que, por razões de estudo ou de trabalho, emigram das terras de
missão. Por eles, com efeito, povos longínquos tornam-se em certo modo vizinhos,
e às comunidades cristãs mais antigas oferece-se uma óptima ocasião de dialogar
com nações que ainda não ouviram pregar o Evangelho e de lhes mostrar no próprio
exercício do amor e da ajuda, o genuíno rosto de Cristo (10).
Dever missionário dos sacerdotes
39. Os sacerdotes
representam a pessoa de Cristo e são cooperadores da ordem episcopal, na
tríplice função sagrada, que por sua natureza tem relação com a missão da
Igreja (11). Entendam, pois, muito bem que a sua vida foi consagrada também ao
serviço das missões. Uma vez que pelo seu mesmo ministério
— que consiste
principalmente na Eucaristia, que aperfeiçoa a Igreja
— estão em comunhão com Cristo cabeça e trazem os outros a essa
comunhão, não podem deixar de sentir quanto falta ainda para o pleno crescimento
do corpo e quanto há que fazer, portanto, para que vá crescendo cada vez mais.
Organizarão, pois, de tal maneira o trabalho pastoral que contribua para a
dilatação do Evangelho entre os não-cristãos.
Os
sacerdotes, no
trabalho pastoral, farão por excitar e alimentar entre os fiéis o zelo
pela
evangelização do mundo, instruindo-os com a catequese e a pregação sobre
o dever
que a Igreja tem de anunciar Cristo aos gentios;
persuadindo as famílias cristãs da necessidade e da honra de cultivar as
vocações missionárias entre os próprios filhos e filhas; fomentando o
fervor
missionário entre os jovens das escolas e associações católicas, de
maneira a sairem dentre eles futuros arautos do Evangelho. Ensinem os
fiéis a orar pelas
missões e não tenham vergonha de lhes pedir esmolas, feitos como que
mendigos
por Cristo e pela salvação das almas (12).
Os professores dos Seminários e
Universidades elucidarão os alunos sobre a verdadeira situação do mundo e da
Igreja, para que abram os olhos à necessidade duma evangelização mais intensa
dos não-cristãos e o seu zelo se acenda. E ao ensinar as questões dogmáticas,
bíblicas, morais e históricas, chamem a atenção para os aspectos missionários
nelas contidos, para desse modo se ir formando a consciência missionária dos
futuros sacerdotes.
Dever missionário dos Institutos
40. Os Institutos religiosos de vida contemplativa e activa
tiveram até agora e continuam a ter a maior parte na evangelização do mundo. O
sagrado Concílio reconhece gostosamente os seus méritos e dá graças a Deus por
tantos esforços prestados à causa da glória de Deus e do serviço das almas e
exorta-os a prosseguir incansàvelmente na obra começada, sabendo, como sabem,
que a virtude da caridade, que por vocação têm de cultivar com mais perfeição,
impele e obriga a um espírito e a um trabalho verdadeiramente católicos (13).
Os
Institutos de vida contemplativa, pelas suas orações, penitências e tribulações,
têm uma importância máxima na conversão das almas, visto que é Deus quem pelas
nossas orações envia operários para a Sua messe (14), abre as almas dos
não-cristãos para ouvir o Evangelho (15), e fecunda nos seus corações a palavra da
salvação (16). Pede-se até a esses Institutos que fundem casas nas terras de
missão como já bastantes fizeram, para que, levando aí uma vida acomodada às
genuínas tradições religiosas dos povos, dêem entre os não-cristãos um
testemunho brilhante tanto da majestade e da caridade de Deus como da sua união
em Cristo.
Por seu lado, os Institutos de vida activa, quer tenham um fim
estritamente missionário quer não, examinem sinceramente diante de Deus se podem
alargar mais a sua actividade em ordem à expansão do reino de Deus entre os
gentios; se podem deixar a outros, certos ministérios, para dedicar às missões
as suas forças; se podem começar a ter actividades nas missões, adaptando, se
for preciso, as suas Constituições, embora segundo a mente do fundador; se os
seus membros participam quanto podem na actividade missionária; se o seu modo de
viver é um testemunho do Evangelho adaptado à índole e às condições do povo.
Uma vez que, sob a inspiração do Espírito Santo, crescem de dia para dia na
Igreja os Institutos seculares, a sua ajuda, sob a autoridade do Bispo, pode ser a muitos títulos proveitosa para as missões,
como sinal duma entrega plena à evangelização do mundo.
Dever missionário dos leigos
41. Os leigos colaboram
na obra de evangelização da Igreja e participam da sua missão salvífica (17), ao
mesmo tempo como testemunhas e como instrumentos vivos sobretudo se, depois de
chamados por Deus, são incorporados pelos Bispos nesta empresa.
Nas terras já
cristãs, os leigos concorrem para a obra de evangelização, fomentando em si e
nos outros o conhecimento e o amor pelas missões, suscitando vocações na própria
família, nas associações católicas e nas escolas, oferecendo auxílios de toda a
espécie para que o dom da fé, que eles receberam de graça, possa ser também
oferecido a outros.
Nas terras de missão, os leigos, quer estrangeiros quer
nativos, exerçam o ensino nas escolas, administrem as coisas temporais,
colaborem na actividade paroquial e diocesana, iniciem e promovam as várias
formas de apostolado dos leigos, para que os fiéis das igrejas jovens possam
assumir quanto antes a sua parte na vida da Igreja (18).
Finalmente, prestem os
leigos, de bom grado, colaboração económico-social aos povos em vias de
desenvolvimento; essa colaboração será tanto mais de louvar, quanto mais se
relaciona com a criação daquelas instituições que atingem as estruturas
fundamentais da vida social ou se ordenam à formação daqueles que têm
responsabilidade de governo.
São dignos de particular louvor aqueles leigos que nas
Universidades ou em Institutos científicos promovem, com as suas investigações
históricas ou científico-religiosas, o conhecimento dos povos e das religiões,
ajudando assim os pregadores do Evangelho e preparando o diálogo com os
não-cristãos.
Colaborem fraternalmente com os outros cristãos, com os
não-cristãos, sobretudo com os membros das organizações internacionais, tendo
sempre diante dos olhos e preocupação de que «a edificação da cidade terrena se
alicerce no Senhor e para Ele se oriente»(19).
Para desempenhar todas estas funções, precisam os leigos da
necessária preparação técnica e espiritual, que se deve dar em Institutos a isso
destinados, para que a sua vida seja entre os não-cristãos um testemunho de
Cristo, segundo a palavra do Apóstolo: «Não deis ocasião de escândalo nem a
judeus nem a gentios nem à Igreja de Deus, como também eu em tudo procuro
agradar a todos, não buscando a minha própria utilidade, mas a dos outros, a fim
de que sejam salvos» (1Cor. 10, 32-33).
CONCLUSÃO
42. Os Padres do Concílio, em união com o Romano Pontífice, sentindo
vivamente a obrigação de difundir por toda a parte o reino de. Deus, saudam
muito afectuosamente todos os pregadores do Evangelho, sobretudo aqueles que
sofrem perseguição pelo nome de Cristo, e associam-se aos seus sofrimentos (20).
Também eles se sentem inflamados do mesmo amor em que Cristo ardia pelos homens.
Mas, conscientes de que Deus é quem faz com que o seu reino venha ao mundo, unem
as suas preces às de todos os cristãos para que, por intercessão da Virgem
Maria, Rainha dos Apóstolos, as nações sejam quanto antes conduzidas ao
conhecimento da verdade (21) e a glória de Deus, que resplandece no rosto de Jesus
Cristo, comece a brilhar para todos pelo Espírito Santo (22).
Roma, 7 de Dezembro de 1965
PAPA PAULO VI
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